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CONVENÇÃO DA HAIA DE 1980: DAS EXCEÇÕES AO RETORNO DA CRIANÇA ABDUZIDA


As determinações de retorno imediato envolvem a própria proteção da criança. Via de regra, portanto, retorno da criança deve ser ordenado, salvo se, de acordo com a CH de 1980, ficar comprovado que o genitor abandonado não exercia efetivamente a guarda da criança, ou que do retorno decorrerão danos físicos ou psíquicos à criança, ou que a criança com maturidade para expressar a sua opinião deseja permanecer no país do refúgio. Além disso, caso tenha decorrido um ano entre a data da abdução/retenção ilícitas, entende-se que a criança encontra-se adaptada ao meio e trata-se de uma retenção antiga.


Artigo 12

Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.

A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deverá ordenar o retorno da criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.

Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o processo ou rejeitar o pedido para o retomo da criança.


A regra estabelecida pela convenção é a de que haja a restituição da criança, mesmo que o prazo de um ano tenha sido decorrido, ou seja, quem responde à ação tem de comprovar não apenas o decurso do prazo, mas também a adaptação da criança (REGILIO, 2016; AMARAL et al., 2013) ou o retorno também é recomendado. A questão da adaptabilidade não entra em questão nos chamados “sequestros novos”, isto é, anteriores a um ano (REGILIO, 2016).

O artigo 13, por sua vez, apresenta as exceções mais expressivas e específicas:


Artigo 13

Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar:

a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.


A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o retorno da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já idade e grau de maturidade tais que seja apropriado levar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.

Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão tomar em consideração as informações relativas à situação social da criança fornecidas pela Autoridade Central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado de residência habitual da criança.

E é exatamente o dispositivo do artigo 13, b, que interessa para este estudo. “Tais conceitos autônomos não se confundem com eventual tristeza, ansiedade ou aborrecimentos decorrentes de uma nova adaptação” (REGILIO, 2016). Por vezes, esse risco grave é erroneamente interpretado como um perigo também à mulher genitora. Contudo, a interpretação geral tem sido de que Convenção remete apenas a casos que envolvam violência contra a criança e não contra a mãe. Provavelmente, essa interpretação adveio em razão de ser um dos artifícios utilizados pelo cônjuge subtrator mulher para tentar evitar o retorno imediato.

Natália Camba Martins entende que “o uso indiscriminado desta exceção é inimigo da base filosófica sob qual o consenso foi construído. Por tal razão, o artigo 13, parágrafo 1º, alínea “b”, deve permanecer como uma salvaguarda raramente utilizada. Alegações de dificuldades ou ameaças de violência não podem ser óbice à restituição da criança, segundo a sistemática do tratado, sem que afete seu principal princípio de trabalho. Desse modo, tristes, porém comuns situações de violência doméstica e abuso não alcançam o limiar no qual a restituição deve ser negada.

Essa, contudo, não nos parece ser a melhor interpretação. A Convenção visa, em última análise, a salvaguarda do interesse superior da criança, que tem o direito de desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, livre, portanto, de um ambiente hostil e que lhe cause insegurança. (REGILIO, 2016). (grifo nosso)

Desta feita, comprovada a violência contra mulher e ela tendo sido apurada no local de residência habitual como real, atual e consistente, deve-se apresentar como exceção ao retorno, sob pena de deixar a mulher em situação vulnerável. Em tal sentido, encontrou-se alguns julgados no Brasil, todavia, a jurisprudência oscila e, recentemente, tem aceitado determinar o retorno mesmo em casos de violência doméstica comprovados.

Questão controvertida diz respeito à possibilidade de se negar o retorno no caso de violência somente

contra a mãe, que por essa razão perpetrou o sequestro. Algumas decisões norte-americanas entenderam

que ainda que não se tenha provado a violência contra a criança, a violência contra a mãe coloca a criança na situação de risco, seja pela experiência traumática de testemunhar a violência, seja em função da alta probabilidade de que a violência também possa se manifestar contra a criança. (TIBURCIO; CALMON, 2014)

O fato de a violência ser apenas apurada ou denunciada no país em que houve a subtração faz pesar suspeita sob a alegação. Como exceção para esse fato, poder-se-ia entender se se tratasse de um país de residência habitual em que a proteção contra a mulher é totalmente inexistente e, até mesmo, permitida. Por isso, é sempre aconselhado que a mulher, vítima de violência no exterior, procure sua rede de apoio, as autoridades locais e o consulado brasileiro mais próximo para denunciar a violência para, depois disso, poder deixar o país em segurança e com autorização para levar os filhos, autorização esta que acaba, quase sempre, por ser judicial.

E, por fim, merece menção o artigo 20, tratando-se da sexta exceção ao retorno constante na convenção:

Artigo 20

O retorno da criança de acordo com as disposições contidas no Artigo 12° poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios fundamentais do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.


Trata-se da exceção com menor incidência quantitativa, consistindo em algo efetivamente extraordinário (MARTINS, 2013). Não deve ser feita uma alegação genérica de que o retorno colidiria com os princípios insertos em tais artigos, mas também a comprovação da violação, bem como os seus motivos (REGILIO, 2016).


Fontes

NASCIMENTO, Blenda Lara F do. A Convenção da Haia de 1980 sobre sequestro internacional de crianças e a sua aplicação em face de alegações de violência doméstica. Disponível em: https://oabdf.org.br/noticias/representatividade-comissao-da-mulher-advogada-da-oab-df-lanca-e-book-exclusivamente-com-autoras-mulheres/

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