top of page

O papel do advogado nos processos da Haia: a difícil missão de cuidar do amor da vida de alguém


Dra. Blenda Lara


Com enorme prazer participei do evento e trouxe as principais dificuldades que os advogados enfrentam ao tratar de casos do gênero. O evento contou com autoridades representantes de todos os setores que lidam cotidianamente com o tema. Foi relevante para atuação, troca de experiências e a oportunidade de atualizar com os juízes de Enlace sobre as principais inovações da Convenção.

O seminário, extremamente bem conduzido pela organização da Escola de Magistratura do TRF3, contou com nomes de peso, com o Desembargador Dr. Guilherme Calmon, os advogados, Dra. Flávia Piovesan e o Dr. Valério Mazzuolli, além de ilustres juízes federais e desembargadores afeitos ao tema.

Mais que trazer a visão dos genitores e se preocupar com a disputa de guarda, houve um apontamento do cerne da questão: a proteção da criança.

Parabenizo toda a organização na pessoa da Juíza de Enlace, a Dra. Inês Virgínia, mulher competente e capaz de ter aglutinado em um dia um evento dessa importância.

Diante da minha experiência com casos do gênero, passo a apontar as principais dificuldades que temos nos casos.




A missão do advogado nos processos de Haia


É um processo delicado iniciar os trabalhos em casos envolvendo a Convenção da Haia de 1980. Nesse ponto, embora não se trate de uma disputa de guarda, a sensibilidade para a condução precisa ser semelhante. Isso porque não existe vencedores nesse processo, a criança, o principal foco da atuação, sempre sofrerá com a ausência de um dos pais.

Por isso meu primeiro passo é sempre tentar uma conversa ou conciliação, a qual costuma se mostrar impossível quando o subtrator tem consciência da ilegalidade dos seus atos. Todavia, é dever fundamental tentá-la.

Os processos costumam ter um custo considerável dada a especialidade do trabalho executado (que, na maioria das vezes envolve conhecimento de idioma e de sistemas legais estrangeiros) e o dispêndio de energia para um processo que não pode ser exitoso se não houver pressa em pedir o retorno do menor subtraído. Além disso, muita das vezes o trabalho não envolve só o pedido de retorno, mas outros processos no âmbito de guarda, penal, de imigração e de assessoria para o escritório no exterior que levará adiante a causa.


Características principais dos casos da atualidade


Do ponto de vista das mulheres acusadas de subtração, costumam ser brasileiras que viviam no exterior em condições difíceis ou insalubres e, por falta de assistência legal ou desconhecimento, acabam violando a Convenção da Haia e sofrendo um processo de repatriação da criança. Há alguns anos havia esse pedido de retorno sem a ponderação das circunstâncias em que a mulher ou a criança estariam no exterior. Atualmente, existe grande debate de considerar um possível estado de fragilidade nessas condições de gênero como pano de fundo para a atitude desesperada da mãe que leva sua criança de volta ao Brasil.

Nesse aspecto, mais que pensar em gênero, precisamos pensar na proteção integral da criança. Ela não é uma mala ou objeto que se carrega consigo para o exterior, mas um ser humano em desenvolvimento que precisa de ambos os genitores para se tornar um ser completo. A Convenção de Haia precisa ser cumprida independente do gênero do genitor abdutor ou estaríamos estabelecendo uma norma que se aplica à conveniência e preferência de um dos genitores. Todavia, os casos de abuso e violência doméstica verdadeiros precisam ser investigados e levados em consideração, dado que um indivíduo que maltrata a mãe de seu filho, dificilmente será um bom pai e vice-versa.

O maior fenômeno de causas no pós-pandemia envolveu, contudo, mulheres que desejavam buscar a sorte no exterior como imigrantes ilegais e, valendo-se de redes de traficantes de pessoas (coiotes), fizeram perigosas travessias internacionais com seus filhos. A maioria tinha como destino os EUA e provinham dos estados de Rondônia e Minas Gerais que possuem uma forte rede de imigração ilegal para o exterior.




Essa travessia, mesmo tendo sido feita com um dos genitores, é uma violação à proteção integral da criança, ínsita na Constituição Federal, e também é uma violação ao ECA. Há uma exposição do menor a perigos e também a uma detenção que implica em traumas psicológicos, privação nutricional e de cuidados. Além disso, a abdução per si constitui ato de alienação parental. Os abdutores, ao adentrar o espaço norte-americano, fazem falsos pedidos refúgio, com constância em falsas alegações de violência doméstica. Com isso ganham o direito de permanecer no país até que o pedido de refúgio e o pedido de regularização da situação imigratória sejam julgados. Isso leva anos e nesse tempo, nem a criança, nem a mãe, podem deixar o país. Se o genitor que fora abandonado (left behind parent ou requerente) não tiver condições financeiras de viajar para visitar a criança, pode ficar sem contato com seu filho(a).

Os motivos para a abdução costumam estar nos três gêneros abaixo:

  • abdução por vingança: um dos genitores não se conforma com o término do relacionamento e leva a criança para longe do outro genitor por punição;

  • casos reais de violência doméstica cometidos contra mulher brasileira no exterior;

  • entendimento da criança como propriedade de um dos genitores e de que teria mais direito em ter a guarda do que o outro.



Principais dificuldades para o pai/mãe deixado para trás


Uma das dificuldades principais é entender o que aconteceu e que a lei lhe assiste. Muita das vezes procuram diversos profissionais que não possuem conhecimento da Convenção e o tempo, inimigo desses casos, passa muito rápido. Outro ponto envolve entender os limites do papel da Autoridade Central. Esta é mais um órgão informativo e guardião da Convenção, todavia, não terá o condão de trazer a criança de volta se não houver cooperação da outra parte. O genitor realmente irá precisar contratar um advogado especializado para cuidar do caso no país em que se encontra e no exterior.

Da mesma forma que damos valor a uma jóia ou a um iphone, é necessário dar valor à formação do profissional que escolhemos para cuidar de resolver o delicado problema de trazer de volta o amor da sua vida.

E o tempo para tomar as decisões necessárias tem de ser rápido, já que são raros os casos em que se consegue o retorno da criança após um ano da subtração.

Nesse ponto, entra um assunto sensível, diferente do Brasil que permite o acesso à Defensoria Pública a estrangeiros, ou no qual a AGU (Advocacia Geral da União) exerce um papel fundamental na defesa do cumprimento da Convenção da Haia; outros países não prestam qualquer tipo de assistência a quem teve o seu filho levado ao exterior. Assim sendo, ele precisará contar com trabalhos de ONG's locais que prestem esse tipo de serviço, um advogado pro bono (casos raríssimos) ou terá de arcar com os custos de um advogado em uma moeda que pode ser mais valorizada que a sua. Ingressar com esse processo nos EUA envolve uma pequena fortuna e esse fato acaba, infelizmente, favorecendo o subtrator e trazendo um desequilíbrio da situação que precisaria ser pensado pela convenção com maior cuidado.

Outra dificuldade envolve a falta de sensibilidade de algumas autoridades de segurança para lidar com casos semelhantes. O registro policial é extremamente importante para marcar a data da ocorrência do fato. Acontece que algumas autoridades se recusam a registrar o fato ou acabam por minorá-lo em razão de a criança estar acompanhada da mãe. Seria muito interessante ter no Curso de Formação das forças de segurança pública um tópico sobre a Convenção da Haia.

Cabe ressaltar a necessidade de apoio psicológico para esse pai ou mãe cuja criança é levada para longe de si. Não existe algo mais cruel que privar um genitor da convivência com seu filho e essa dor assemelha-se a um luto que precisa ser acompanhado por profissional habilitado a tanto. São processos desgastantes para todas as partes envolvidas.



Existe também dificuldades que envolvem a lentidão da ACAF na resposta aos processos que por ela se iniciam. Isso acaba fazendo que, com o passar do tempo, o genitor deixado se conforme em deixar a criança abduzida ficar onde está. Para as estatísticas isso pode contar como um acordo, mas, para o genitor, isso conta como um fracasso no atendimento de sua demanda.

Por fim, é necessário ressaltar a dificuldade de entendimento das varas da infância e adolescência de que precisam também ser um agente na aplicação da Convenção da Haia por meio da reversão da guarda por motivo de alienação parental. Esse passo é importante para apoiar o pedido no exterior para o retorno da criança.


Questões de gênero e a Convenção da Haia





Uma mulher brasileira parte com o sonho de felicidade por meio de uma nova vida no exterior, acompanhada pelo casamento/união com um estrangeiro. Existe um lado bonito nisso e muitos casos deram certo, mas alguns não. Muita das vezes a mulher parte para um ambiente em que não tem rede de apoio, trabalho, desconhece o idioma e, quando se vê no desejo de deixar a relação, pode enfrentar violência física do parceiro ou de sua família.

Esse contexto ocasiona em muitos casos a vinda da mulher do exterior com os filhos como forma de fuga de uma vida difícil. É possível fazer esse retorno de forma segura e orientada por profissional e pelo serviço consular brasileiro sem que se viole a Convenção da Haia e, nesse ponto, alertar as comunidades brasileiras no exterior para apoiar as mulheres em situação de vulnerabilidade é fundamental.


CONCLUSÕES


São muitos os atores envolvidos no caso e, a iniciativa dos Juízes de Enlace do TRF3 é digna de louvor por permitir que o Brasil continue se aprimorando no cumprimento da Convenção e assuma a vanguarda na proteção dos menores. Abaixo um quadro sinótico com os atores e as principais conclusões preliminares sobre o tema:





 
 
 

Comments


SGAN 914, Módulo A, Bloco B, sl. 11, Asa Norte, Brasília - DF. Telefone: (61)99855-0942. E-mail: blendalara.adv@gmail.com

  • Telegram
  • TikTok
  • Spotify
  • Facebook ícone social
  • Instagram
  • LinkedIn ícone social
  • YouTube ícone social
bottom of page